O evangelho que me envergonha

05/09/2014 01:57

 

 

“Eu não me envergonho do Evangelho, porque ele é o poder de Deus

para a salvação de todo aquele que crê”

(Romanos 1:16)

 

 

Lembro-me perfeitamente bem deste versículo ainda nos meus primeiros dias de convertido a Cristo. Eu tinha na ocasião 18 anos de idade e fiquei relativamente preocupado e acanhado diante da possibilidade de meus amigos me olharem com a Bíblia na mão e indo para uma igreja evangélica. Naquela ocasião (final dos anos 80), isso era realmente algo raro em meu grupo de amizades. Éramos muitos jovens naquela região, mas eu seria o primeiro a se declarar publicamente evangélico.  E então, por medo das chacotas e escárnios, decidi esconder a Bíblia por dentro da camisa para somente retirá-la depois que estivesse um pouco mais afastado de todos que pudessem testemunhar aquela cena.

 

Pouco tempo depois, porém, após me deparar com essa passagem, senti o Espírito falar dentro em mim com uma impactante autoridade e um inconfundível poder. Compreendi que tal como o apóstolo Paulo, eu deveria sentir satisfação e não vergonha por me assumir como um cristão. E assim, dentro de poucos dias todos já sabiam de minha conversão a Cristo e o jovem encabulado tornou-se um missionário de sua própria gente, tendo o privilégio de testemunhar a salvação espiritual de muitos dos seus amigos de infância.

 

Verdadeiramente não devemos nos envergonhar do Evangelho. Afinal ele é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê. Mas a grande questão é: de qual evangelho não devemos nos envergonhar?

 

Tenhamos certeza de que ao fazer essa afirmação, Paulo se referia às boas novas de salvação em Cristo. Tinha como referencial a genuína mensagem do Salvador. Estava firmado nas pregações do Mestre, que ensinava sobre abandonar poder e riquezas por amor a Deus, a amar os inimigos e oferecer-lhes a outra face, se necessário.

 

O evangelho que Paulo não se envergonhava era o evangelho do caráter digno, que destacava o cristão em meio ao mundo pecador e o tornava luz e sal perante uma geração perversa. Era o evangelho que distinguia com clareza o trigo do joio e que amava a Deus e odiava a Mamom.

 

O evangelho acerca do qual Paulo sentia orgulho em se dizer embaixador era  o evangelho da pureza moral, desprovido de ambições, livre de relações prostitutas com os poderes políticos e dos interesses humanos dominantes na sua época.

 

Todavia, não creio que Paulo diria o mesmo, caso presenciasse o vasto cardápio de múltiplos evangelhos, tão tristemente comum à nossa época, dentre os quais podemos ter o desprazer de destacar:

 

.O evangelho dos artistas gospel, escravizado pelo dinheiro, ávido por aplausos, engolido pela mídia e idolatrado pelos idiotas.

 

.O evangelho dos empresários da fé, que enlataram a Bíblia em diversos formatos, para “venderem bênçãos sob medida”. A pérola e o tesouro escondido, no caso desses, são apenas os produtos que conseguem gerar a partir de suas visões mercantilistas da fé.

 

.O evangelho “dos amigos do mundo”, que adaptam a vida cristã aos hábitos e costumes do presente século, ordenando mulheres ao ministério pastoral, vilipendiando o culto com danças coreográficas, institucionalizando 'apóstolos" modernos, apoiando veladamente ou mesmo de forma cínica e pública o sindicalismo gay com seus ativismos depravados, transformando a casa de Deus num covil de vendilhões ou num palco de espetáculos profanos. São esses os protagonistas do “evangelho às avessas”, onde o mundo conquista o cristão, em vez deste ganhá-lo para Cristo.

 

.O evangelho dos “Narcisos pós modernos”, com seus “bispados”, “apostolados” e até “patriarcados”, que são convenientemente criados para corresponder ao seu ego inflado de sórdida vaidade. Para esses, o termo “pastor” é baixa patente. Sua arrogância lhes exige honra maior, mesmo que não tenham preparo teológico e legitimidade espiritual para tal.

 

.O evangelho dos evangélicos, que nada mais é do que um arcabouço de exaltação à pessoa do crente, dando-lhe superpoderes, outorgando-lhe "autoridade" para "exigir de Deus", "determinar" e "profetizar" ou posicionando-o como herdeiro de riquezas materiais, “fechando-lhe o corpo” (tal como fazem os feiticeiros), por meio de suas teologias mentirosas que desmerecem a fé com base na saúde física e que impõe maldições sobre a vida de quem já foi liberto e salvo pelo Salvador Jesus. Nesse evangelho, o sucesso do crente, sua saúde, sua prosperidade e seu destaque social são o clímax a ser perseguido. É um evangelho revestido pelo lodaçal do humanismo e desprezador de Deus.

 

O evangelho dos salteadores que "convenientemente" transportam a obrigatoriedade dos dízimos do AT para a atualidade, ameaçando crentes incautos, com o terrorismo de supostas maldições, pela mitologia herética do devorador, trocando cargos na igreja por "fidelidade" nos dízimos e ainda por cima chamando de ladrões de Deus aqueles que não dizimam, sendo eles na verdade os veradeiros ladrões da obra e da causa sagrada.

 

E como esses, há muitos outros “evangelhos”. Todos compatíveis com a vaidade e a doença espiritual de seus megalomaníacos idealizadores e ignorantes seguidores.

 

Com o coração limpo eu afirmo que acerca desse evangelho (o evangelho desprovido do Evangelho), eu publicamente me envergonho e declaradamente o abomino!

 

Prefiro as marcas de Cristo. Prefiro a cruz, a humildade, o desapego material. Prefiro o espinho na carne que me torna forte em minha fraqueza. Prefiro o caminho apertado e a porta estreita, que são acertadas por poucos.

 

Dentre todos os evangelhos que a modernidade me apresenta eu prefiro o evangelho de 2.000 anos atrás. Sem adendos. Sem aperfeiçoamentos. Sem novas visões. Sem revelações complementares. Sem apóstolos e pastoras. Sem investimento financeiro na forma de dízimos. Sem shows gospel e sem danças proféticas. Sem gurus e sem paipóstolos. O evangelho simples. A sã doutrina dos profetas e apóstolos (os únicos e verdadeiros, que estão na Bíblia).

 

Esse é o evangelho que levo comigo todos os dias quando ultrapasso os portões de minha casa. É com ele me proponho iluminar e salgar o mundo que me acerca. É com ele que pretendo me assegurar no lugar que me cabe: de servo do Altíssimo. Eis o evangelho do qual jamais me envergonharei!